segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

ESPECULAÇÃO


Benito Paret*

Se existe verdade que toda crise confirma é que em economia não há modelo perfeito. E o que elas nos lembram, sempre, é que para além da equação e do cálculo há a imprevisibilidade do ser humano. Schumpeter percebeu isso com clareza ao enunciar a teoria da “destruição criativa”. Para ele, as crises são da natureza do capitalismo e ocorrem de tempos em tempos para corrigir o que fugiu ao cálculo. E nisto se tornam oportunidade.

É nas crises que se identificam as falhas dos modelos. E são elas, também, que nos indicam a forma de corrigi-las. O estouro das bolhas “ponto com” e subprime, os casos Enron e da pirâmide de Madoff e, aqui entre nós, de bancos e empresas superexpostas no mercado de derivativos mostram mais que falhas de órgãos reguladores e agências classificadoras de risco. Evidenciam, antes, um modelo cada vez mais vulnerável à especulação predatória.

O especulador, como agente natural do capitalismo, não é necessariamente um mal. É ele que dá liquidez aos ativos e estimula a produção, em grande parte da cadeia de negócios. Só se torna predador quando encontra e explora as fragilidades de modelos e as inconsequências de administradores. Se há especulação predatória é porque há administradores irresponsáveis, órgãos reguladores que se deixam comprar e desequilíbrios em balanços de pagamentos.

O que esta crise veio demonstrar, além disso, é que por força dessas distorções a especulação tornou-se o próprio modelo. Para ficar no exemplo brasileiro: com déficit no balanço de pagamentos, usamos a taxa de juros como âncora cambial. Ou seja: com juros na estratosfera, atraímos capital especulativo para equilibrar as contas externas. Em contrapartida, inundamos a oferta de dólares no mercado interno. Sobrevalorizamos o real, encarecemos as importações e freamos as exportações. Com isso, mais pressão sobre as contas externas. De quebra, inflacionamos os ativos em bolsa. Criamos bolhas que quando estouram causam dor e prejuízo. Mais que isso: empurramos para futuro longínquo o mercado de capitais como fonte saudável de capitalização.

Com o recrudescimento da crise, o capital especulativo usado para equilibrar as contas externas via taxa de juros convidativa, evapora. Derruba a bolsa, empurra o dólar, aumenta a dívida. A taxa de juros nas alturas encarece o crédito para as empresas e segura a demanda pelo consumidor, para frear a inflação. Com os juros no limite e os dólares em fuga, reduzem-se os impostos sobre o capital de curto prazo e alimenta-se ainda mais a ciranda. Mais juros, menos consumo, menos produção, mais crise. É o cachorro correndo atrás do rabo.

Hoje o capital especulativo paga, entre Imposto de Renda e Contribuição Sobre o Lucro Líquido, 24%. O capital produtivo, se bem-sucedido, além dos 24% recolhe mais 10% sobre tudo o que ultrapasse, em lucro, a R$ 240 mil, no ano. São dois pesos e duas medidas.

Se queremos nos livrar da especulação predatória, e essa crise deixa isso evidente, temos que fazer o dever de casa. Precisamos fazer ajustes urgentes na política tributária, de forma a privilegiar o capital produtivo. E promover, ainda e sempre, o ajuste fiscal. Só assim ficaremos, de fato, imunes às crises, que se tornam cada vez mais frequentes.

*Benito Paret é presidente do Sindicato das Empresas de Informática do Rio de Janeiro

Fonte: Jornal O Globo Publicado em 26 de Janeiro de 2009, Caderno Opinião.

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